Tuesday, October 17, 2006

PEDRA BRANCA

- Moço, quero uma cerveja.
- Brahma, Skol...
- Qualquer uma, vai!
(ele continua triste, vai ficar calado)
Tempo nublado. O cheiro de carne assada invade o bar. O resultado do Jogo do Bicho não é comemorado por ninguém. O dono do Bar palita os dentes e deve ter tomado banho, os cabelos estão molhados e as lentes dos óculos esfumaçadas.
- Moço, quero um Marlboro
- Filtro vermelho? Maço?
- Maço, moço.
(ele continuará triste, vai permancer calado)
A rua fica escura. O vento sopra o frio para lá e para cá. A telenovela anuncia de antemão o resultado da trama: felicidade para os "bons" e desgraça para os "maus". A esposa da dona do Bar, sem falar nada com o esposo, pega tres garrafas de Coca-Cola e some lá dentro do Bar.
- Moço, a conta.
- R$ 10,00, moço.
- Está aqui, moço.
Ninguém na rua - ao menos um ser humano. Apenas um cão passa cheirando o asfalto, a guia, as latas de lixo, sem olhar pra mim, passa como se cheirasse por obrigação. O cão vira uma esquina e some, desaparece. Entro no condomínio onde moro, cheio de câmeras, de luzes e sons.
(ele continua triste, calado, segurando uma Pedrinha Branca no bolso).

NÉCTAR PARA UM EXISTENCIALISTA

Interessante como esqueço fácil, ou mesmo lanço fora poemas, pequenos fragmentos. Sempre inicio textos, mas canso-me fácil deles. Melhor sonhar, divagar; até criei uma expressão: vagamundear. Imagino roteiros de filmes com pessoas que passam perto de mim. Hoje um nome tornou-se minhas hesitações: Mel. Talvez ela esteja sendo guiada por luzes, clarões. Como sou cético, olhei para o azul-imensidão do céu e fiz perguntas.
Era início de noite. Será que ela ama a noite e quer sempre ver o sol nascer e rasgar a penumbra de um quarto, nas manhãs de sábados românticos? Será que poderei mergulhar meu olhar nos olhos dela? E se ela descobrir que sou um Dom Quixote que deseja resolver todas as injustiças do mundo? Fiz essas anotações no coração. A primeira estrela dava o ar da graça no céu. Lembrei de Grande Sertão: Veredas. Lembrei de alguém ao longe, distante. Não, não pretendo rasgar esse bilhete. Nem quero que esse pulsar intenso de curiosidade vire fragmento. Quero a aventura, o desvendamento adrenalináticamente vagaroso, lento, intenso. Tudo isso não passa de eufemismo de colo, aconchego, ternura. (Geraldo Magela Matias)

Tuesday, October 03, 2006

LOUCO POR LUA E CHUVA


O horizonte está pintado de amarelo. As árvores e os pássaros parecem fazer uma conjunção mística. Cai uma chuva fresca e K. não resiste, entra debaixo dela. O vento leva os milhões de pingos para lá e para cá. K. abre os braços e pensa: "nunca serei louco". Chega na casa da fazenda, totalmente ensopado. Toma um banho quente e vai até a cozinha onde está a velha Benedita, negra alta, magra. Quando ela abre os lábios faz K. entender melhor Guimarães Rosa. Aproxima-se de K. com uma xícara de café, os olhos parecem estar analisando, perscrutando. "Seu moço, cê é assim eu sei porquê". K. fica feliz, gosta do prenúncio de um mergulho no passado. Pega a xícara e vai para o "rabo" do fogão e solicita que Benedita lhe conte tudo. "Sinhô tem duas avó. A Maria Carolina, por parte de pai; Sebastiana, por parte de mãe". Benedita foi até as brasas no fogão e acendeu um pito de palha. Sentou-se na escada que liga a cozinha para a sala e continuou a narrativa: "Uma morreu botando língua pra todo mundo, recitano poema de um tar Carlo Drumondi (sic) e começou a falar que num credita em Deus coisa ninhuma. A outra, a Sebastiana, era mué muito linda nas banda de Coromandé, dividiu cama cum fazendero muito rico, uma tar Aureliano Rabelo, home de uns dois metro de altura. Sebastiana morreu abandonada, numa casinha pobre, perto de um cemítério, conversando com os morto". K. então perguntou: "mas o que tem elas a ver comigo?". Benedita riu sem dente na boca, passou a mão negra nos cabelos e disse: "as duas gostava de ficar vendo a lua e entrar debaixo da chuva, como o sinhô." K. também descobriu que as duas avós foram tremendamente românticas. A lua e a chuva então faziam parte do seu sangue. (Geraldo Magela)

CARPINTEIRO DE COISA ALGUMA

Não pretendo falar de política. Quase ninguém gosta. Preciso mesmo é tomar o lugar do Arnaldo Jabor para descer o sarrafo na mídia inteira, nas instituições, em todos os partidos políticos. Fiquei até com inveja do Zé Dirceu! O "Zé das Armas" foi passar o natal no castelo do Paulo Coelho, no sul da França. O Mago da Sociedade Alternativa e o camarada da Sociedade Comunista. Golbery do Couto e Silva, "bruxo da ditadura", deve ter estado presente em estilo ectoplasma nessa reunião que contava ainda com o autor de Olga - para quem não sabe, a biografia de Olga foi escrita por Fernando Morais. A biografia do Zé Dirceu e do Paulo Coelho vão render muitos níqueis. Para concluir o primeiro parágrafo: de acordo com os senhores que cuidam das informações, trabalhando para os feudos jornalísticos, informam que cerca de 69% dos eleitores da Heloísa Helena votarão no Alckimin. Esses 69% votaram no Trotsky, no sonho Revolucionário Socialista, no primeiro turno; no segundo, vão cravar seus destinos num cara que se gaba ser da Opus Dei, o fino da bossa Católica conservadora. Mas vai um recado ao senhor Lula: ele escondeu debaixo do tapete os corpos de 70 guerrilheiros que foram abatidos às margens do Rio Araguaia, na década de 70. Vamos, internautas, pensem! O maior embate entre as Forças Armadas durante a ditadura continua apagada dos livros de história. Lula, o metalúrgico que metia medo na elite, simplesmente proibiu a divulgação do dossiê Secreto da Guerrilha...Prosseguiu a política econômica nefasta do Lorde Fernando Henrique, o pobre professor perseguido que vive com cerca de 5 aposentadorias. Lula também coleciona aposentadorias. Lula conseguiu melhorar o expediente do coronelato: das cestas básicas enviadas em épocas de eleições pelo PFL nos grotões do nordeste, instituiu o Bola-Família. Um requinte populista de esquerda redimensionado e aprimorado. A direita ficou brava! "Como o Lula pode tirar da gente o que é nosso?".
Ligando um assunto a outro, lembro-me da Maçonaria, que prega a existência do Arquiteto do Universo, um Deus parido das hostes da Revolução Frances e do Iluminismo. Quem nunca teve a curiosidade de estudar os símbolos das cédulas de dólares? Igualdade, Fraternidade, Liberdade. Pirâmedes, olhos...
Pois eu sou um "carpinteiro do universo". Dane-se, Raul, esse título é meu e de mais uns tantos que ainda vivem por aí. Até hoje vivo tentando mudar a direção do trem. Costumo chamar de "peste" essa vontade de querer fazer reparos no mundo. Vivo tentando "aparar o cabelo de alguém". Sonho tanto que procuro manter a luz do meu quarto acessa. (Geraldo Magela)

Thursday, August 31, 2006

TECELAGEM

Sempre com silêncio, apartado das rodas. O único lugar que deu margem para se sentir à vontade foi numa biblioteca. O barulhinho vindo da lâmpada, a janela aberta dando vista para uma estrada de terra cortando o verde do horizonte. Atrás do balcão a bibliotecária: 'dona' Totinha. Nunca se soube o nome de batismo dela. Era rigorosamente motivo de piadas entre os estudantes: 'dona' Tortinha. Ela era estrábica. Todos os dias, sem hipótese alguma de falha na memória, ficava tecendo roupinhas para crianças. Rolos de fios de lã de todas as cores possíveis. Seus dentes pareciam triturar um eterno amendoim.
Longe das rodas, dentro da biblioteca da 'dona' Totinha, ele encontrou Kafka, Tólstoi, Drumond, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Clarice Lispector e uma multidão de fantasmas. Sofria porque não conseguia entender A Carta ao Pai, do Kafka. Já falavam pelos corredores que ele tinha uma "mania meio louca" de ver o mundo. A professora de Ensino Religioso ficou perplexa quando soube que o garoto ia para um seminário pleitear uma vaga de sacerdote. "Mas esse menino fala em comunismo, que Deus não existe!", afirmou para uma inspetora da escola. O mancebo queria apenas tentar entender como é esse Deus em que todos crêem e que nunca é obedecido; que matam em nome dele e erguem coisas feias e horrorosas para proteger suas "palavras". Até hoje ele traga a dor do nada, busca entender o absurdo que é o mundo, as humanidades, os homens. Continua tecendo o fio da meada, mas não consigue formatar nenhuma conclusão que o precipite para a paz que a clareza da verdade pode nos dar. Queria muito poder se afastar para bem longe do fundo da caverna, como contava Platão, para que um sol ilumine tudo.
No último retorno à sua terra natal, descobriu que 'dona' Totinha havia ido embora para sempre. Resolveu ir até a biblioteca da escola. Entrou e ficou estático, olhando para o balcão. Ali não é mais biblioteca. É um depósito de objetos que não fazem mais sentido no mundo moderno.
Ficou sabendo também de que ela morreu sozinha. Encontraram no seu quarto muita, mas muita roupinha de criança tecida com fios de lã, de todas as cores. Não chorou, seria clichê. Apenas ficou rindo - por dentro, apesar de Fernando Pessoa jurar que não existe "por dentro" e nem "por detrás". E retornou para casa, para bem perto dos seus milhares de livros, de fantasmas. Em meio a tantos manuscritos vai continuar tecendo sua existência espasmadamente repleta de absurdos, devaneios e aventuras. Ainda taxado de "louco" por alguns, "mito" por uns outros" e diante do espelho: "você não é nada, espero que o meu processo se encerre com um fim. E que se cumpra Guimarães Rosa: "ninguém morre, ficamos encantados". Ele está se sentindo quase dentro de uma Fortaleza: quer devanear, vagamundear. (Geraldo Magela)

Wednesday, August 16, 2006

SÍSIFO

Os sons da manhã me deixam nauseado. Ônibus, carros e saltos de sapatos femininos. A água sagrada chocando contra o meu teto: o vizinho do andar superior preparando-se para fazer o mundo continuar funcionando. As edições dos jornais sensacionalizam o dia: violência, eleições, o time popular lutando contra rebaixamento, sexo, cães, gatos, arquitetura e milhares de fragmentos. Uma foto interessante: uma criança olha em direção a um buraco no vidro da janela. Da minha janela avisto a faxineira varrendo o estacionamento. Homens e mulheres retornando para casa, suas cidades sujas, destruídas. Deflação, bolsas de valores, lucros, balanças comerciais. Nenhum verso.
Velhos empurram seus corpos em direção aos hipermercados. A TV começa a ser inundada de receitas de macarronada italiana, dicas para deixar o corpo saudável, para fazer o apartamento ficar mais "verde" e aconchegante. Jovens com calças rasgadas e cabelos arrepiados vão em gangues, entre muros criptograficamente grafitados, abusar e sarrear a cara dos mestres que não se consideram mais "a luz do saber" de ninguém. Um carro pára, um cara sai, o som do rap é alto, o tênis Nike denuncia que a revolta dos pobres virou mercadoria nas mãos da classe média. O bairro mais nobre está deliciosamente quieto. Toda cidade tem seu bairro bairro nobre com cheiro diferente. O céu está azul e alguns pássaros voam em direção a não-sei-aonde.
Um absurdo. Aliás, o mundo é um absurdo. Tudo permancerá como sempre, substancialmente. Traições, mentiras, dores, desemprego, falta de amor, solidão. Mas haverá alegrias. Haverá sussurros, paixões, declarações loucas de amor. Morte e batismos. Nada além, nada aquém. A imprensa vai maquear a realidade com sensacionalismo. O planeta continuará em sua orbita corriqueira. Dizem as más línguas que o sol está iniciando seu processo de "apagamento". Como será o mundo sem luz? (Geraldo Magela)

Wednesday, August 09, 2006

"A PROVA"

Os dedos das mãos conotavam capítulos difíceis na vida. Um esmalte vermelho corroído lutava contra feridas causadas pelo trabalho doméstico. Me lembrei do Melodia cantando "lava roupa todo dia, que agonia...". Uma tristeza e um orgulho eram repassados por aquela senhora de cabelos mal tratados. Um final de frase: "pelo menos não devo nada a ninguém". Acabei ouvindo a conversa silenciosamente, tentando ouvir com nitidez os sussurros. "Minha filha, a senhora não vai acreditar, surrou meu marido ontem, com o cabo da vassoura". A jornaleira lembrava a layout de páginas amarelas e ficou perdida, sem saber o que fazer e falar. "Mas o meu marido ficou calado. Ele queria saber o motivo da filha não estar estudando e continuar dormindo com o namorado". A conversa, curiosamente, era travada perto de duas revistas que tinha a ver com o assunto: O filme "A Prova" vale pela interpretação de Gwyneth Paltrow", era título de uma; "Chegou a hora do primeiro amor", chamava a outra para uma leitura "classe-média alta" de mundo. Uma mãe abraçada com a filha, bem vestidas, sorrindo. Um psícologo aconselhava a mãe a preparar a filha para a primeira noite de sexo. O filme dirigido por John Madden, o mesmo diretor de Shakespeare Apaixonado, é um melodrama baseado na peça de David Auburn, que fez muito sucesso na Broadway. Trata-se da história de um matemático (Anthony Hopkins) que enlouqueceu e durante o período que ficou em clausura escreveu uma quantidade enorme de cadernos. Na clausura ele recebeu os cuidados da filha (Gwyneth Paltrow). Nesse período ele escreve uma quantidade enorme de cadernos. Depois da morte do matemático, um estudante (Jake Gyllenhaal) tenta descobrir nas anotações deixadas uma fórmula reveladora matemática que seja importante para o futuro da ciência. Nada que possa relacionar-se com o contexto da senhora batalhadora. A senhora continuou desabafando até chorar. Não tem acesso a informações. Não consegue fazer uma leitura crítica da realidade. Nem sabe o que é hedonismo. Nem sabe o que o capitalismo andou fazendo com o velho Movimento Feminista, nem sobre ethos, cultura. Nunca irá ler sobre "adolescentização" e "feminização" do mundo. Vai apenas sofrer até o último minuto de vida. Sem sensualidade, prazer e tempos mais longos de alegrias. Não poderá colocar nada sob suspeita. Acompanhei sua saída, seus passos lentos. Entrou para dentro de um templo católico e deve ter conversado muito com Deus. (Geraldo Magela)

Tuesday, August 08, 2006

"VERDADE TROPICAL"?


Dois fragmentos de declarações do Caetano para a revista Cult


Primeiro - "Eu sou um grande admirador dos Estados Unidos, não tenho raiva nem ressentimento. Não acho que nossa miséria é uma conseqüência da maldade, do egoísmo deles. A nossa miséria é resultado da nossa própria incompetência, e a grandeza deles é conseqüência da competência deles, que se expressou na visão espetacular dos fundadores da democracia americana. Muita gente diz que o povo brasileiro tem um grande ressentimento contra os Estados Unidos, que se sente oprimido e que tem vontade de dar o troco. Houve até quem aplaudisse a derrubada das torres do World Trade Center. Uns, publicamente, outros, à surdina, mas não que eu não ficasse sabendo. E, possivelmente, muitos eu não soube. Mas, por outro lado, o Brasil é um país onde as pessoas pobres batizam seus filhos com nomes de Jefferson, Washington, Wellington, o que eu acho maravilhoso. Quando vai modernizando coloca Michael, por causa do Michael Jackson. Eu acho que isso quer dizer muita coisa e de certa forma, fala de algumas regiões mais profundas da alma brasileira do que essa raivinha impotente contra os Estados Unidos".

Segundo - "Outro dia tive uma discussão com MVBill a respeito disso. Ele estava se reportando a um embate que teve sobre essa questão com o Arnaldo Jabor, que estava numa posição oposta à dele. Eu acabei não me contendo e iniciei uma discussão, onde eu queria fazê-lo ver que ele precisava levar em conta que grande parte do que é, não só movimento de consciência da questão racial, como o movimento específico do hip hop, ao qual ele se filiou, tem muito do desejo brasileiro exposto em várias áreas de ansiosamente imitar os americanos. E, de certa forma, com isso, se reafirmava uma humilhação dos brasileiros perante os americanos, o que não difere da humilhação dos negros perante os brancos. Há alguma coisa aí que fica de fora quando a pessoa não coloca certos elementos na equação. Eu pedi a ele que pusesse".

Friday, August 04, 2006

JORNAL DAS PEQUENAS COISAS


Achei, como uma borboleta, um argonauta navegando sem rumo, um canto de jardim. Ela é simples, mas profunda. Talvez eu tenha sentido a mesma emoção que Guimarães Rosa sentia quando via flores solitárias no campo. O vento soprando e embalando suas pétalas. Beleza irradiantemente à espera de alguns olhos que querem a loucura de viver com simplicidade. Rita Apoena é o nome da poeta, dona de uma canteiro chamado Jornal das Pequenas Coisas. E não há como impedir que a alma seja invadida e tomada por tanta ternura. Depois da primeira leitura, lambi as alegrias que escorriam de dentro dos meus olhos para a ponta dos meus dedos. Fertilidade máxima: quis escrever como Rita Apoena. Parecem espasmos incrivelmente delicados, mas que nos transformam como a lua nova em cheia. Vou deixar um poema dela por aqui. Os outros estão postados lá no http://ritaapoena.zip.net/.

Metáfora

Sobre a janela
Então, quando você me beijar,
vai sentir o gosto da minha escrita,
pois a fim de nunca esquecê-las
eu trago todas as minhas palavras
na ponta da língua.

Tuesday, August 01, 2006

TEMPOS MODERNOS


"(...) o que me interessa frisar aqui é uma novidade qualitativa: não a “feminização” do “trabalho masculino”, mas o “tornar-se mulher” do trabalho em geral; não o fato de que as mulheres estejam tomando o lugar dos homens nas velhas fábricas, mas que — na produção contemporânea e nas formas eminentes de sua organização — trabalhar conjuga-se antes no feminino do que no masculino. E que, portanto, os próprios homens, para produzir, têm de algum modo de se feminizar.” (Antonio Negri).

Saturday, July 29, 2006

Querida Rosa,

Não quero nada. Estou escrevendo para dizer que amo a vida. Estava caminhando ontem, olhando apenas, e rindo, das minhas pernas e dos meus pés. Ao dobrar uma esquina, vi uma rosa vermelha, enorme, vívida. Estava ao alcançe das minhas mãos. Não arranco rosas de jardins. Ela ficou por lá, constratando com a metrópole infinitamente severa com os que querem viver bem. O vôo circular das abelhinhas ao redor da rosa me deixou em paz-ingênua. Lembrei dos seus lábios vermelhos-sem-batom.
Rosa, não possuo mais relógio. Tenho um par de sandálias de couro e uma sapato preto para as épocas de chuva e muito frio. Detesto guarda-chuva. Não desejo a glória, aliás, repudio a glória. Você ainda guarda aquele prato de bambu? Ainda guarda poemas que escrevi e nunca li? Tem o meu rosto em sua memória?No início falei que ria das minhas pernas e pés, é porque eles irão virar pó. Augusto dos Anjos, aquele poeta que tinha um pé de tamarindo no quintal, é cômico. A desgraça é uma criança tola que não sabe fazer nada sozinha. Ri demais e alguns passantes ficaram pensando, acho que isso: "esse cara é louco". Não tenho compromissos com a desgraça, com a dor, com a injustiça e com a mentira.
Estou preparando minha mala pequena. Estou indo. Por favor, prepare minha cama com aquele lençol azul claro. Só quero deixar o brilho da simplicidade que exala do seu olhar exilar-se pra sempre no meu coração. Estarei como uma abelhinha ao seu redor, vivenciando o néctar de sua quietude, de sua paz e simplicidade. Mas não a quero. Abraços.

Geraldo Magela Matias

ELE PASSARINHO


"Eles passarão, eu passarinho". Quintana foi embora no dia 5 de maio de 1994. O homem que usava passarinhos como alegoria (ou metáfora?). A primeira vez que li Quintana, morava numa casa com enorme quintal. Travei batalhas, fiz teatro, corri atrás de passarinhos no quintal que parecia uma síntese de mundo - ledo engano. Estava lendo Quintana quando beijei pela primeira vez. Ao invés de passarinhos, passei a procurar flores no quintal. Tenho certeza de que alguns pássaros levaram sementes dessas flores para outros cantos de jardins. Quintana não morreu, ficou encantado. E fui ser gauche na vida. Saí por aí recolhendo pétalas que Quintana deixava cair pelos caminhos. Nada de pedras. Apenas pássaros e flores.



Canção do Amor Imprevisto - Mario Quintana

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoista e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos…
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
[nada, numa alegria atônita…
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!



In: Mario Quintana - Canções - Editora do Globo, 1946

Friday, July 28, 2006

VENDEDOR DE LANCHES

Venho bisbilhotando neste espaço a pouquinho tempo. O Bastante pra perceber que quero estar mais perto. Na verdade eu queria mesmo era entender a tristeza do Geraldo. Aprender a contar o tempo pelo relógio dele. Descobrir a verdadeira dimensão do riso que me intimida e se arremata com um simples: "Eu sou assim".Talvez eu só perceba a simplicidade daquela mente travando uma convivência lenta, silenciosa. Pode ser que nunca consiga de fato.Não sei bem o que vi, nem sei se concordo com minha intuição, mas tenho uma certeza. Poderia ser em qualquer lugar, conhecê-lo noutras circunstâncias... Poderia até ver o Geraldo vendendo lanche na praia... Algo em mim ainda diria - esse é um homem especial." (Márcia Nestardo é atriz)

OBRIGADO, RENATA.

Geraldo, meu recém-amigo desconhecido. O filósofo e jornalista que eu sempre quis ser e não fui e não sou. Nos conhecemos por aqui, nesse mundo impalpável, surreal, escorregadio. Então, de fato, não nos conhecemos. Mas é claro que pelo menos eu te conheço! Encantei-me com o que surgiu da tela fria, fugindo sorrateiramente do meio do turbilhão indefinível. Achado numa brincadeira, numa pescaria. Conheci você pelas suas palavras. Você foi sendo revelado pela ligação que fez com elas, tantas entendiamente soltas, e repentinamente escolhidas por você... Aninhei-me no sentido que fez delas, no mundo que construiu com elas. Um mundo tão delicioso e tão diverso do meu. Mas não sei quem é você, por detrás das palavras. Quem é o Geraldo ininteligível. Talvez eu permaneça nesse Geraldo que é o mito, lido e relido pela boca dos outros, transcrito pelos seus lugares-comuns. Eu, apesar de mergulhar nesse mundo mitológico, continuo não entendendo nada de mitologia, até agora. Confesso, entrei na ilusão que te cerca e no universo em que representas esse mito. Sim, estarei sempre por perto, descobrindo o sentido das coisas com você. Agora deixa eu sentar e tomar meu café, obrigada pela gentileza do convite.De sua fã, número 1 de hoje,Renata Maria.

Thursday, July 27, 2006

MINEIROTAURO

Confesso que nada sei sobre mitologia, nenhuma delas, infelizmente. Nem tenho na minha estante livros de citações em latim para deixar leitores com a impressão de que jornalistas são "cultos" e "estão por dentro de tudo". Verdade que ando lendo muito sobre Wicca, feitiçaria e feminização e nem sei aonde essas leituras vão me levar. Talvez, com muita serenidade, admito que sou um argonauta anárquico que crê ser um Sísifo da Silva. Quero apenas partilhar espantos, espasmos, indignações, alegrias e angústias. Mesa de bar, esquina, um banco na praça, no ponto do ônibus, na calçada, tomando um café podem ser metáforas para configurar a imagem exata do que será esse blog. Nada além, nada aquém. (Geraldo Magela Matias)

BIOGRAFIA DO BLOGUEIRO

O Geraldo continua o mesmo. Frase feita das mais feitas que já vi, incrível como exprime bem a realidade. Por que o Geraldo é uma rocha, estático nos seus princípios ao mesmo tempo em que maleável na superficialidade de sua retórica alucinada.Na superfície, Geraldo é amoral. Quer apavorar as dóceis menininhas, quer engabelar a esquerda corporativista, foder com as minorias e tudo mais. Um niilismo avassalador, como o de alguém sem princípios. É tudo uma mentira. Geraldo é daqueles mineiros interioranos, que não te deixam ir embora sem oferecer uma xícara de café. Humano pra caralho e sedutor como poucos, olhar rápido e atento sobre as nossas arestas humanas. Ácido quando se faz necessária acidez, professor estúpido que não liga muito para as vaidades dos alunos mais arrogantes. Ou os superprotegidos pelo seu ego.Geraldo voou...alcançou a iluminação. No topo da montanha, não viu nada. Carrega com amargor o vazio de um nada gigantesco, um nada tão intenso e palpável que lhe atordoa, percepção elevada um tanto quanto distante dos meros mortais. Geraldo ri um riso triste, tristeza de uma utopia.Utopia de um mundo de verdade. Um mundo de humanidade. Sem atravessadores. Um mundo de mesa de bar com amigos, mundo de sensibilidade e reação às idéias, tornadas mais importantes que as posses. Um mundo de verdadeiros irmãos se digladiando com pureza na busca da verdade. Geraldo é moralista, na verdade.Geraldo é ingênuo. Uma criança que sofre. Monstro intelectual, mestre dos atalhos e das coisas da vida, Geraldo vive meio perdido, parece. Sangrando, o tempo todo, de um jeito que a gente sangra só às vezes, nos nossos momentos mais iluminados de reflexão existencial.E eu que pensava que eu era o Geraldo. Mas o Geraldo é muito mais eu que eu mesmo. Já invadiu muito mais salas, internas e externas, mijou muito mais sangue que eu, conquistou territórios e aproximou-se de objetivos, perdeu tudo, ganhou de novo. Fez tudo isso muito mais vezes que eu, e continua vivo como eu nunca imaginei que fosse possível alguém fazer.As palavras medidas com régua, a ironia com um garçom psicopata neo-nazista, os planos mirabolantes jogados ao vento, tudo um conjunto imagético pré-fabricado, como a testar teu vôo e teu raciocínio. Um encontro de muito sentimento, de um cara meio sozinho de adversários intelectuais e camaradas do peito, mas que não exclui a obrigação de uma boa e velha contenda.Não se enganem, Geraldo sabe as regras do jogo. Sabe onde está o dinheiro e a realização material/profissional. Só não sabe o que fará para se despojar do seu eu, para poder consegui-lo. No meio do caminho, fica em dúvida se inclusive quer isso. Ao contrário de muita gente que eu conheço, Geraldo daria uma péssima puta.(André Montanher)