Tuesday, October 03, 2006

LOUCO POR LUA E CHUVA


O horizonte está pintado de amarelo. As árvores e os pássaros parecem fazer uma conjunção mística. Cai uma chuva fresca e K. não resiste, entra debaixo dela. O vento leva os milhões de pingos para lá e para cá. K. abre os braços e pensa: "nunca serei louco". Chega na casa da fazenda, totalmente ensopado. Toma um banho quente e vai até a cozinha onde está a velha Benedita, negra alta, magra. Quando ela abre os lábios faz K. entender melhor Guimarães Rosa. Aproxima-se de K. com uma xícara de café, os olhos parecem estar analisando, perscrutando. "Seu moço, cê é assim eu sei porquê". K. fica feliz, gosta do prenúncio de um mergulho no passado. Pega a xícara e vai para o "rabo" do fogão e solicita que Benedita lhe conte tudo. "Sinhô tem duas avó. A Maria Carolina, por parte de pai; Sebastiana, por parte de mãe". Benedita foi até as brasas no fogão e acendeu um pito de palha. Sentou-se na escada que liga a cozinha para a sala e continuou a narrativa: "Uma morreu botando língua pra todo mundo, recitano poema de um tar Carlo Drumondi (sic) e começou a falar que num credita em Deus coisa ninhuma. A outra, a Sebastiana, era mué muito linda nas banda de Coromandé, dividiu cama cum fazendero muito rico, uma tar Aureliano Rabelo, home de uns dois metro de altura. Sebastiana morreu abandonada, numa casinha pobre, perto de um cemítério, conversando com os morto". K. então perguntou: "mas o que tem elas a ver comigo?". Benedita riu sem dente na boca, passou a mão negra nos cabelos e disse: "as duas gostava de ficar vendo a lua e entrar debaixo da chuva, como o sinhô." K. também descobriu que as duas avós foram tremendamente românticas. A lua e a chuva então faziam parte do seu sangue. (Geraldo Magela)

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