Tuesday, October 17, 2006

PEDRA BRANCA

- Moço, quero uma cerveja.
- Brahma, Skol...
- Qualquer uma, vai!
(ele continua triste, vai ficar calado)
Tempo nublado. O cheiro de carne assada invade o bar. O resultado do Jogo do Bicho não é comemorado por ninguém. O dono do Bar palita os dentes e deve ter tomado banho, os cabelos estão molhados e as lentes dos óculos esfumaçadas.
- Moço, quero um Marlboro
- Filtro vermelho? Maço?
- Maço, moço.
(ele continuará triste, vai permancer calado)
A rua fica escura. O vento sopra o frio para lá e para cá. A telenovela anuncia de antemão o resultado da trama: felicidade para os "bons" e desgraça para os "maus". A esposa da dona do Bar, sem falar nada com o esposo, pega tres garrafas de Coca-Cola e some lá dentro do Bar.
- Moço, a conta.
- R$ 10,00, moço.
- Está aqui, moço.
Ninguém na rua - ao menos um ser humano. Apenas um cão passa cheirando o asfalto, a guia, as latas de lixo, sem olhar pra mim, passa como se cheirasse por obrigação. O cão vira uma esquina e some, desaparece. Entro no condomínio onde moro, cheio de câmeras, de luzes e sons.
(ele continua triste, calado, segurando uma Pedrinha Branca no bolso).

NÉCTAR PARA UM EXISTENCIALISTA

Interessante como esqueço fácil, ou mesmo lanço fora poemas, pequenos fragmentos. Sempre inicio textos, mas canso-me fácil deles. Melhor sonhar, divagar; até criei uma expressão: vagamundear. Imagino roteiros de filmes com pessoas que passam perto de mim. Hoje um nome tornou-se minhas hesitações: Mel. Talvez ela esteja sendo guiada por luzes, clarões. Como sou cético, olhei para o azul-imensidão do céu e fiz perguntas.
Era início de noite. Será que ela ama a noite e quer sempre ver o sol nascer e rasgar a penumbra de um quarto, nas manhãs de sábados românticos? Será que poderei mergulhar meu olhar nos olhos dela? E se ela descobrir que sou um Dom Quixote que deseja resolver todas as injustiças do mundo? Fiz essas anotações no coração. A primeira estrela dava o ar da graça no céu. Lembrei de Grande Sertão: Veredas. Lembrei de alguém ao longe, distante. Não, não pretendo rasgar esse bilhete. Nem quero que esse pulsar intenso de curiosidade vire fragmento. Quero a aventura, o desvendamento adrenalináticamente vagaroso, lento, intenso. Tudo isso não passa de eufemismo de colo, aconchego, ternura. (Geraldo Magela Matias)

Tuesday, October 03, 2006

LOUCO POR LUA E CHUVA


O horizonte está pintado de amarelo. As árvores e os pássaros parecem fazer uma conjunção mística. Cai uma chuva fresca e K. não resiste, entra debaixo dela. O vento leva os milhões de pingos para lá e para cá. K. abre os braços e pensa: "nunca serei louco". Chega na casa da fazenda, totalmente ensopado. Toma um banho quente e vai até a cozinha onde está a velha Benedita, negra alta, magra. Quando ela abre os lábios faz K. entender melhor Guimarães Rosa. Aproxima-se de K. com uma xícara de café, os olhos parecem estar analisando, perscrutando. "Seu moço, cê é assim eu sei porquê". K. fica feliz, gosta do prenúncio de um mergulho no passado. Pega a xícara e vai para o "rabo" do fogão e solicita que Benedita lhe conte tudo. "Sinhô tem duas avó. A Maria Carolina, por parte de pai; Sebastiana, por parte de mãe". Benedita foi até as brasas no fogão e acendeu um pito de palha. Sentou-se na escada que liga a cozinha para a sala e continuou a narrativa: "Uma morreu botando língua pra todo mundo, recitano poema de um tar Carlo Drumondi (sic) e começou a falar que num credita em Deus coisa ninhuma. A outra, a Sebastiana, era mué muito linda nas banda de Coromandé, dividiu cama cum fazendero muito rico, uma tar Aureliano Rabelo, home de uns dois metro de altura. Sebastiana morreu abandonada, numa casinha pobre, perto de um cemítério, conversando com os morto". K. então perguntou: "mas o que tem elas a ver comigo?". Benedita riu sem dente na boca, passou a mão negra nos cabelos e disse: "as duas gostava de ficar vendo a lua e entrar debaixo da chuva, como o sinhô." K. também descobriu que as duas avós foram tremendamente românticas. A lua e a chuva então faziam parte do seu sangue. (Geraldo Magela)

CARPINTEIRO DE COISA ALGUMA

Não pretendo falar de política. Quase ninguém gosta. Preciso mesmo é tomar o lugar do Arnaldo Jabor para descer o sarrafo na mídia inteira, nas instituições, em todos os partidos políticos. Fiquei até com inveja do Zé Dirceu! O "Zé das Armas" foi passar o natal no castelo do Paulo Coelho, no sul da França. O Mago da Sociedade Alternativa e o camarada da Sociedade Comunista. Golbery do Couto e Silva, "bruxo da ditadura", deve ter estado presente em estilo ectoplasma nessa reunião que contava ainda com o autor de Olga - para quem não sabe, a biografia de Olga foi escrita por Fernando Morais. A biografia do Zé Dirceu e do Paulo Coelho vão render muitos níqueis. Para concluir o primeiro parágrafo: de acordo com os senhores que cuidam das informações, trabalhando para os feudos jornalísticos, informam que cerca de 69% dos eleitores da Heloísa Helena votarão no Alckimin. Esses 69% votaram no Trotsky, no sonho Revolucionário Socialista, no primeiro turno; no segundo, vão cravar seus destinos num cara que se gaba ser da Opus Dei, o fino da bossa Católica conservadora. Mas vai um recado ao senhor Lula: ele escondeu debaixo do tapete os corpos de 70 guerrilheiros que foram abatidos às margens do Rio Araguaia, na década de 70. Vamos, internautas, pensem! O maior embate entre as Forças Armadas durante a ditadura continua apagada dos livros de história. Lula, o metalúrgico que metia medo na elite, simplesmente proibiu a divulgação do dossiê Secreto da Guerrilha...Prosseguiu a política econômica nefasta do Lorde Fernando Henrique, o pobre professor perseguido que vive com cerca de 5 aposentadorias. Lula também coleciona aposentadorias. Lula conseguiu melhorar o expediente do coronelato: das cestas básicas enviadas em épocas de eleições pelo PFL nos grotões do nordeste, instituiu o Bola-Família. Um requinte populista de esquerda redimensionado e aprimorado. A direita ficou brava! "Como o Lula pode tirar da gente o que é nosso?".
Ligando um assunto a outro, lembro-me da Maçonaria, que prega a existência do Arquiteto do Universo, um Deus parido das hostes da Revolução Frances e do Iluminismo. Quem nunca teve a curiosidade de estudar os símbolos das cédulas de dólares? Igualdade, Fraternidade, Liberdade. Pirâmedes, olhos...
Pois eu sou um "carpinteiro do universo". Dane-se, Raul, esse título é meu e de mais uns tantos que ainda vivem por aí. Até hoje vivo tentando mudar a direção do trem. Costumo chamar de "peste" essa vontade de querer fazer reparos no mundo. Vivo tentando "aparar o cabelo de alguém". Sonho tanto que procuro manter a luz do meu quarto acessa. (Geraldo Magela)