Wednesday, August 09, 2006

"A PROVA"

Os dedos das mãos conotavam capítulos difíceis na vida. Um esmalte vermelho corroído lutava contra feridas causadas pelo trabalho doméstico. Me lembrei do Melodia cantando "lava roupa todo dia, que agonia...". Uma tristeza e um orgulho eram repassados por aquela senhora de cabelos mal tratados. Um final de frase: "pelo menos não devo nada a ninguém". Acabei ouvindo a conversa silenciosamente, tentando ouvir com nitidez os sussurros. "Minha filha, a senhora não vai acreditar, surrou meu marido ontem, com o cabo da vassoura". A jornaleira lembrava a layout de páginas amarelas e ficou perdida, sem saber o que fazer e falar. "Mas o meu marido ficou calado. Ele queria saber o motivo da filha não estar estudando e continuar dormindo com o namorado". A conversa, curiosamente, era travada perto de duas revistas que tinha a ver com o assunto: O filme "A Prova" vale pela interpretação de Gwyneth Paltrow", era título de uma; "Chegou a hora do primeiro amor", chamava a outra para uma leitura "classe-média alta" de mundo. Uma mãe abraçada com a filha, bem vestidas, sorrindo. Um psícologo aconselhava a mãe a preparar a filha para a primeira noite de sexo. O filme dirigido por John Madden, o mesmo diretor de Shakespeare Apaixonado, é um melodrama baseado na peça de David Auburn, que fez muito sucesso na Broadway. Trata-se da história de um matemático (Anthony Hopkins) que enlouqueceu e durante o período que ficou em clausura escreveu uma quantidade enorme de cadernos. Na clausura ele recebeu os cuidados da filha (Gwyneth Paltrow). Nesse período ele escreve uma quantidade enorme de cadernos. Depois da morte do matemático, um estudante (Jake Gyllenhaal) tenta descobrir nas anotações deixadas uma fórmula reveladora matemática que seja importante para o futuro da ciência. Nada que possa relacionar-se com o contexto da senhora batalhadora. A senhora continuou desabafando até chorar. Não tem acesso a informações. Não consegue fazer uma leitura crítica da realidade. Nem sabe o que é hedonismo. Nem sabe o que o capitalismo andou fazendo com o velho Movimento Feminista, nem sobre ethos, cultura. Nunca irá ler sobre "adolescentização" e "feminização" do mundo. Vai apenas sofrer até o último minuto de vida. Sem sensualidade, prazer e tempos mais longos de alegrias. Não poderá colocar nada sob suspeita. Acompanhei sua saída, seus passos lentos. Entrou para dentro de um templo católico e deve ter conversado muito com Deus. (Geraldo Magela)

2 comments:

Diego Nathan said...

A representação da representação...
De que vale? Pra quem vale?

Eu?...

Depois de 6 dúzias de livros tidos como herméticos e pedantes só ganhei o medonho sorriso dos idiotas.

Márcia Nestardo said...

E tanto se fêz a feminização do mundo, tanto se proclamou o hedonismo, mas a mulher continua olhando no canto dos olhos e escondendo na gola da blusa as marcas da última paixão.