Saturday, July 29, 2006

ELE PASSARINHO


"Eles passarão, eu passarinho". Quintana foi embora no dia 5 de maio de 1994. O homem que usava passarinhos como alegoria (ou metáfora?). A primeira vez que li Quintana, morava numa casa com enorme quintal. Travei batalhas, fiz teatro, corri atrás de passarinhos no quintal que parecia uma síntese de mundo - ledo engano. Estava lendo Quintana quando beijei pela primeira vez. Ao invés de passarinhos, passei a procurar flores no quintal. Tenho certeza de que alguns pássaros levaram sementes dessas flores para outros cantos de jardins. Quintana não morreu, ficou encantado. E fui ser gauche na vida. Saí por aí recolhendo pétalas que Quintana deixava cair pelos caminhos. Nada de pedras. Apenas pássaros e flores.



Canção do Amor Imprevisto - Mario Quintana

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoista e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos…
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
[nada, numa alegria atônita…
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!



In: Mario Quintana - Canções - Editora do Globo, 1946

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