Thursday, March 15, 2007

QUINTANA, QUITANDA: ESTRANGEIRISMO ANÔNIMO


Quintana lembra quitanda. E quitanda lembra café, leite, padaria e padeiros que trabalham com massas o tempo inteiro. E lembra também mulheres que se dobram por seus maridos. Elas são simplesmente donas-de-casa. Estão em processo de extinção. Estão sempre com vestidos estampados, listrados; algumas usam óculos. A sensualidade foi-se embora há muito. Reclamam da violência e vivem falando em receitas e dores de estômago, na coluna. Falam dos chás, dos médicos que atendem bem e de encontros religiosos. Benditas filas. E eu lá. Com Foucault, Nietzsche, que até é base para dizer que Ciência é o senso comum refinado e Quintana na bolsa. Sinto-me estrangeiro em todas as filas. E também nas meses frequentadas pelos que viajam para a Europa e para os EUA e afirmam ler Sartre e Camus em francês, por regiões exóticas, como a Índia, também me sinto só. Em torno do pão não ando degustando dos mesmos assuntos, nem entre populares nem entre doutores. Até mesmo nas feiras. Na esquerda sou conversador; na direita sou xiita. Em shows sou rotulado de "popular", mas aquele "popular" que dá aos grandes astros da MPB o título de "vip", tipo Chico Buarque, a filha da Elis e tantos outros. Continuarei morando mal, mas eles vão para coberturas - como é mesmo o nome daquele pagodeiro que vive concedendo entrevista embreagado? Engraçado é que transito em todo canto de mundo - confesso que já amei uma mulata ao som de "deixa a vida me levar". Parece que não tenho cheiro. Bares bons, da moda eu não vou, mas quando vou fico me sentindo um trouxa; prefiro os botecos. Nos pontos de ônibus, lendo Milton Santos e seus grandes tratados de Geografia, me ensinando a "ler" as cidades. Mas ao meu lado pessoas cansadas, mulheres uniformizadas com olhos fundos... Ninguém quer falar em "assuntos sérios". E me pego impotente. Mas acho que a verdade é que não sei nada. Acho até mesmo que re-produzo. Nunca irei produzir uma revolução. Nem consigo trocar a resistência do meu chuveiro. E lembro-me que Quintana disse que é melhor ser um ignorante simples do que um ignorante complexo. Nos meus cartões ouso, depois de ter Quintana me alertado, escrever: GERALDO MAGELA MATIAS - ESTRANGEIRO. Quem sabe assim ganho o pão-nosso-de-cada-dia. Mas como Quintana? (Geraldo Magela)

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